Diversidade de árvores é maior nas áreas úmidas da Amazônia
Pesquisa revela que regiões da Amazônia que passam cerca de metade do ano embaixo d’água tem muito mais espécies de árvores do que se imaginava
Entre as muitas fisionomias que existem na Floresta Amazônica, as chamadas áreas úmidas, que passam cerca de metade do ano embaixo d’água e a outra metade praticamente na seca, sempre foram consideradas locais de situação limite, que somente abrigariam espécies capazes de tolerar essas condições. Um novo trabalho científico revela que são locais muito mais ricos, com três vezes mais espécies de árvores do que se imaginava antes.
O estudo, realizado por pesquisadores da Unesp de Rio Claro, aponta que hábitats como igapós, pântanos, campinas alagadas, mangues, além das várzeas ao longo de planícies inundáveis e que margeiam nascentes contam com pelo menos 3.615 espécies de árvores, configurando a maior diversidade em áreas úmidas no mundo.
O número é resultante de um amplo trabalho de revisão de inventários florestais e dados de coleções biológicas que nunca tinham sido contabilizados juntos. Até então, eram contadas apenas espécies encontradas ao longo das planícies dos chamados rio de água branca, como Solimões e Amazonas.
O novo trabalho incluiu vários outras paisagens e rios e seus afluentes como Purus, Juruá e Madeira. E surpreende porque revela que muito mais árvores da Amazônia têm essa capacidade de adaptação ao difícil regime hidrológico imposto.
O trabalho, publicado no periódico PLoS One e destacado nesta sexta pela Agência Fapesp, calcula que o total de espécies das áreas úmidas amazônicas compreende 53% das 6.727 espécies confirmadas em estudo mais recente da flora arbórea da Amazônia.
Isso chama a atenção porque as áreas úmidas compreendem apenas 30% dos 7 milhões de km² da Amazônia, o que indica que há um intercâmbio entre as espécies de terras secas com o de terras úmidas.
Não é um comportamento homogêneo, porque o regime de inundação também varia em cada região. Alguns locais passam muito mais tempo embaixo d’água do que outros, de modo que as espécies também variam conforme a tolerância em relação a esses regimes.
“Ninguém esperava que metade de todas as espécies de árvores da Amazônia estivesse em ambientes mais restritivos, que requerem mais adaptações”, comenta Thiago Sanna Freire Silva, professor no Departamento de Geografia da Unesp e coordenador da pesquisa.
“As florestas de áreas úmidas são importantes para a Amazônia como um todo. Um grande número de espécies listadas em nosso estudo produz frutos que servem de alimento para os peixes, mantendo saudável o estoque pesqueiro. Estas árvores também são importante recurso madeireiro para a população da região”, explica Bruno Garcia Luize, primeiro autor do artigo e doutorando no Instituto de Biociências da Unesp.
“Não menos importante, as árvores que formam as florestas em áreas úmidas auxiliam a manter a dinâmica fluvial dos rios da Amazônia, reduzindo a sedimentação e assoreamento dos rios e possibilitando a infiltração da água para as camadas subterâneas”, continua o pesquisador. “Estas áreas úmidas apresentam um desafio importante para a conservação ao permitir que haja uso e conservação da biodiversidade integrando a riqueza cultural e natural que há.”
Ameaças
A riqueza de espécies nessas áreas lança um alerta porque, em um cenário futuro de mudanças climáticas, podem haver inundações mais prolongadas, assim como secas mais intensas, o que pode causar um colapso entre as espécies que se adaptaram ao delicado equilíbrio que existe hoje.
“As simulações têm mostrado que a amplitude vai aumentar: vai encher mais e secar mais. Se a estação seca aumentar muito, pode começar a favorecer somente as espécies que ainda vivem em terra firme e toleram um pouco de inundação, mas não muita. Isso pode ter um impacto enorme, ao promover uma homogeneização da biodiversidade de árvores”, afirma Silva.
Outra ameaça que essas vegetações já vêm sentido é com as mudanças de regime hídrico promovidas pelas hidrelétricas. “As barragens modificam o pulso da inundação. Pesquisadores do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) já têm visto uma mortalidade enorme de algumas espécies, porque se muda o curso da inundação. Vai alterando a composição da biodiversidade”, complementa.
Segundo o pesquisador, isso acaba tendo impacto também sobre as populações que dependem de recursos como peixe, por exemplo. “Grande parcela da população da região depende da várzea para subsistência. A colonização da Amazônia se deu por via fluvial. São áreas muito particulares, então merecem atenção.”
Fonte: Terra